Caio Fernando Abreu





Trechos do Livro  "O essencial da década de 1990" Por Caio Fernando Abreu.

...
_Você sabe que de alguma maneira a coisa esteve ali, bem próxima. Que você podia tê-la apanhado no ar que nem uma fruta. Ai volta o soco. E sem entender, você então pára e pergunta alguma coisa assim: Mas de quem foi o erro?
  O outro fez um movimento como se fosse falar, mas ele o deteve.
_ Sei, sei. Você vai perguntar: Mas houve um erro? Bem, não sei se a palavra exata é essa, erro. Mas estava ali, tão completamente ali, você me entende? No segundo seguinte, você ia tocá-la, você ia tê-la. Era tão... tão imediata. Tão agora. Tão já. E não era. Meu Deus, não era. Foi você que não soube fazer o movimento correto? O movimento perfeito, tinha que ser um movimento perfeito. Talvez tenha demonstrado demasiada ansiedade, eu penso. E a coisa se assustou, então. Como se fosse um fruta madura, à espera de ser colhida. É assim que vejo ela, às vezes. Como uma coisa parada, à espera de ser colhida por alguém que é exatamente como você. Não aconteceria com outro. Depois, quando ela foge, penso que não era fruta. Que era um bicho, um bichinho desses arisco. Coelho, borboleta. Um rato. É preciso cuidado, senão ele foge. É preciso aprender a se movimentar dentro do silêncio e do tempo. Cada movimento em direção a ele tão absolutamente lento que o tempo fica meio abolido.
Não há tempo. Um bicho arisco vive dentro de um espécie de eternidade. Duma ilusão de eternidade. Onde ele pode ficar parado pra sempre, mastigando o eterno. Para não assustá-lo, para tê-lo dentro dos seus dedos quando finalmente se fecharem, você também precisa estar dentro dessa ilusão de eterno.

(...)

O erro? Eu dizia, pois é, o erro. Eu penso, se o certo não foi de dentro, mas de fora? Se o erro não foi seu, mas da coisa?
Se foi ela quem não soube estar pronta? Que não captou, que não conseguiu captar essa hora exata, perfeita, de estar pronta. Porque assim como o movimento de apanhar deve ser perfeito, deve ser perfeita também a falta de movimento, a aparente falta de movimento do que se deixa apanhar. Você me entende? Eu penso também, e se houve alguma interferência no em-volta-dos-dois, no ar. No astral, eu penso também. Um coisa de Deus, do invisível, do mistério, que embora pareça errada ao não te deixar apanhar o prometido, no entanto está absolutamente certa. Porque é assim que é. Naturalmente. As coisas sempre prestes a serem apanhadas. E você eternamente prestes a apanhá-las. Como uma sina. Sempre prestes.

(...)

Como se algo que esteve perfeito. Eu insisto no perfeito, era assim: Pouco antes da perfeição se cumprir. Perfeito, preparado para acontecer e de repente, não acontece. Não acontece. E logo depois, quando você ainda não entendeu direito o que aconteceu, ou o que não aconteceu, ou por que deveria ter ou não ter acontecido, vem alguém de repente e te dá um soco no estômago. E a mão que daqui a pouco você tinha certeza que ia estar cheia e pronto!, está vazia de novo.

(...)

Não gosto quando a gente fica falando assim no que não foi, no que poderia ter sido. God! Não aos sábados, principalmente à noite. Não hoje, por favor, hoje não dá, eu tenho. Eu tenho essa sensação de amargura, de fracasso. Você me entende? Como se tivesse obrigação de ter sido, ou tentado ser, outra pessoa.

 (...)

Estranho é que não escolhi. Não consigo precisar o momento em que escolhi. Nem isso, nem qualquer outra coisa. Nem nada. Foram me arrastando. Não houve aquele momento em que você pode decidir se vai em frente, se volta atrás, se vira à esquerda ou à direita. Se houve, eu não lembro. Tenho a impressão de que a vida, as coisas foram me levando. Levando em frente, levando embora, levando ao trancos, de qualquer jeito. Sem se importar se eu não queria mais ir. Agora olho em volta e não tenho certeza se gostaria mesmo de estar aqui. Só sei que dentro de mim tem uma coisa pronta, esperando acontecer. O problema é que essa coisa talvez dependa de uma outra pessoa para começar a acontecer.

_Toque nela com cuidado. Senão ela foge. Avisou.



Ps.: Destaquei as partes que mais gostei. Partes que falam de mim.

Meu beijo a todos,

em especial pra Keké, que me surpreendeu hj com um lindo bom dia! Obrigada amiga!
Rô, se preprara para o frio, o RJ está congelando. rsrsrsrs

Kaká.

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